terça-feira, fevereiro 07, 2006

A crise do Irã, o enriquecimento de urânio e o que dizem os comentaristas das mídias

A questão do Irã é um pouco diferente do que se propaga pelo mundo. O que menos importa nesse caso é a capacidade iraniana de enriquecer urânio. Que o Irã tem essa capacidade todos sabem que sim, sabem que conseguir o urânio não é difícil e sabem que o Irã não tem capacidade de produzir artefatos nucleares nos próximos dez anos. Então, o que está por trás dessa questão? O petróleo.
A China, que nos últimos anos vem apresentando o maior crescimento econômico entre as nações industrializadas, torna-se cada vez mais um grande consumidor de petróleo, petróleo que não tem. A China é hoje a quarta maior economia do mundo, o que a torna um grande consumidor. Em seguida a India, que também não tem petróleo e cada vez aumenta mais o seu consumo. E o que isso tem há ver com o que muito se diz e pouco se explica?
Estamos, nós o mundo, às vésperas de uma situação determinada pelo que é conhecido como a Curva de Hobbert. Essa curva indica que, nos próximos anos, será atingido o ponto máximo da produção de petróleo. A partir desse ponto a produção entrará em declínio. Grandes empresas petrolíferas, como a Chevron, a Repsol-YPF e a Shell, reconhecem que esse ponto mais alto já foi atingido.
Para que o mundo continue consumindo petróleo no ritmo atual, o que levaria a extinção das reservas em torno de 2045, ou o consumo não aumenta ou alguns países terão que consumir menos. Acontece que India e China aumentam os seus respectivos consumos, e nada indica que deixarão de faze-lo. Logo, o principal ponto da questão é como reduzir o consumo. Por enquanto nenhuma solução à vista. À vista só os problemas.
O Irã é um grande produtor, India e China dois grandes compradores do petróleo iraniano. A maior reserva em dolares do mundo é a da China, que supera o trilhão de dolares. O maior produtor de softwares do mundo é a India. Para complicar, a produçaõ do Iraque, segunda maior reserva de petróleo conhecida, entrou em declínio após a ocupação do país por forças norte-americanas e inglesas. O oleoduto através do Afeganistão vem encontrando dificuldades para a sua implementação. E mais, o oleoduto e a retomada da produçaõ do Iraque não resolvem o problema, se resolvidos, apenas adiam as conseqüencias já esperadas para muito antes de 2045.
Um dos problemas do mundo hoje é o excesso de liquidez, normalmente em dolares. O enorme dificit orçamen´trio dos EUA, em parte responsável pelo excesso de liquidez, pressiona o dolar para uma desvalorização continuada.
Hong-Kong, se já não é, será em breve o principal mercado financeiro do mundo, deixando Nova York para trás. Embora fazendo parte da China, Hong-Kong tem moeda própria, que não se submete à política cambial chinesa e nem tem ligações com ela, em questões de moeda Hong-Kong é literalmente independente.
Dependente da India e da China, como fornecedor de petróleo, o Irã procura desvincular-se do dolar. Pretende, para o mês de março deste ano, iniciar as operações da Bolsa de Petróleo de Teerã, em concorrência com as bolsas de Nova York e Londres. Na concepção dos iranianos o dolar não seria aceito como moeda de compra
A questão petrolífera é substancialmente complexa, a moeda do petróleo é o dolar, as reservas dos grandes produtores, Arábia Saudita à frente, estão em dolares depositadas basicamente em Nova York. Todo o universo do petróleo e suas dezenas de empresas operam em dolar, a moeda de referencia e de reserva. É isso que o Irã ameaça.
Para quem vive em dolar, a posição da China não é clara, e é difícil imaginar que algum dia será. É grande compradora, tem a maior reserva em dolares, tem o domínio sobre Hong-Kong, não tem alternativas para o petróleo, mantêm sua moeda em forte desvalorização frente aos demais parceiros e concorrentes no mercado, precisa cada vez mais de mais petróleo, não é auto-suficiente na produção de alimentos, vem sendo afetada cada vez mais pela enorme degradação ambiental provocada pela sua política industrial e energética, sua população não para de crescer.
A questão não está apenas em Teerã, está mais próxima a Xangai, Nova York e Londres. Por outro lado, com o início do funcionamento da Bolsa de Teerã, previsto para fins de março deste ano , a enorme quantidade de dolares que deixariam de ser transacionados no mercado do petróleo, substituídos por euros, o mais provável, levariam a uma erosão do valor do dolar, que hoje representa mais de 65% das reservas globais de moeda, e poderiam levar ao colapso da economia norte-americana e a uma inflação descontrolada que se estenderia por todas as economias. O que está em jogo além do crescimento das economias da India e da China é o valor do dolar e o equilíbrio das finanças internacionais. A dívida dos EUA supera os 8 trilhões de dplares, em dolares.Todo o comércio internacional poderá ser seriamente afetado. É necessário que o mundo se debruce sobre uma política energética global.