quarta-feira, julho 05, 2006

A Comercialização do Biodiesel - II

O Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel, que é a iniciativa do Governo Federal para a inclusão deste combustível na matriz energética brasileira, busca entre outros objetivos a inclusão social e a melhoria da renda familiar. A par do desenvolvimento tecnológico, da redução da dependência do diesel de petróleo, em parte importado, e do estímulo a agricultura familiar, todos objetivos de grande importância para o país, não fica claro o aspecto comercialização.
Ao adotar o mecanismo dos leilões, a política de comercialização não leva em conta as incertezas que envolvem a atividade agrícola e os riscos que lhe são inerentes. A cadeia do biodiesel começa na agricultura, é da sua produtividade que depende todo o restante do ciclo produtivo, e é esta produtividade que determinará o preço final. Da produção das sementes à colheita. Condições climáticas, regime de chuvas, acesso ao crédito, infra-estrutura, são fatores de importância que precisam ser levados em conta tendo em vista os dois primeiros objetivos.
No caso da mamona, a ser implementado prioritariamente no semi-árido nordestino, o mercado para o óleo não destinado à produção do biodiesel é um dado conhecido e de fácil mensuração. A quantidade de óleo necessário à adoção da meta de 2%, e mesmo de qualquer percentual que se deseje, é basicamente o percentual da quantidade de diesel de petróleo consumido. O que é válido para todas as outras fontes de biodiesel. É conveniente, portanto, que seja estabelecido os percentuais para cada matéria-prima, ou seja, para cada produto agrícola.
A mamona não é um problema, pelo contrário, é a solução mais viável. A questão é a quantidade de terra necessária para a sua produção em volume suficiente para atender a nova demanda. O girassol não tem produção em quantidade para os dois mercados, o já existente e o voltado para o biodiesel. O caso da soja é problemático. Acontece com o produto o mesmo que já ocorreu com o café ao fim do século XIX, início do XX. Produtores que se endividaram no período de preços altos.
Ao crescer de forma desordenada, as áreas plantadas com soja tornaram-se monocultivadas, e a monocultura favorece o ataque por espécies invasoras, como está a ocorrer com a ferrugem asiática. Os resultados são previsíveis: redução da produtividade por hectare, aumento nos custos com defensivos agrícolas, manejo menos sustentável. Afora isto, a maior parte da soja brasileira é comercializada em Chicago.
A quantidade de terras a serem utilizadas para o biodiesel deve ser analizada com cuidado. Nos EUA estima-se que metade das áreas cultiváveis teria que ser utilizada para o plantio do milho, apenas para atender a futura demanda de etanol. É muita coisa. A produção agrícola no Brasil padece de sérios entraves na sua comercialização, o que ocasiona perdas elevadas, prejuízos aos produtores e incertezas quanto ao abastecimento futuro.
O Brasil não possui uma política de estocagem, o número de armazens existentes não é suficiente para regular a demanda futura, demanda desconhecida por diversos motivos.
Elevam-se a milhões de hectares as terras improdutivas no Brasil, a produção de alimentos é desordenada por áreas geográficas, o que resulta em um acentuado consumo de óleo diesel para o seu transporte. São poucas as centrais de abastecimento para a distribuição da produção agrícola.
Ao concentrar-se nos leilões nada disto parece ter sido levado em conta. Não é através de leilões que será possível viabilizar o Programa do Biodiesel. O uso de instrumentos de mercado a futuro, que deveria ter sido adotado tanto para a venda da matéria-prima, quanto para a venda do óleo destinado à produção do biodiesel, é a forma mais adequada para a comercialização do biodiesel. Por seu intermédio é possível conhecer a demanda futura, as quantidades de produtos base que estão em oferta, adotar medidas de política de preços, enfim, regular o mercado de modo a atingir os objetivos desejados. Do mesmo modo que existe na BM&F o mercado de carbono, é possível existir o mercado de biodiesel, com uma considerável redução da margem de risco existente em qualquer negócio que tenha a agricultura como base.