segunda-feira, julho 16, 2007

A Rodada de Doha e suas razões - II

A principal questão a ser resolvida para tornar possível a conclusão da Rodada são os subsídios a agricultura.
O GATT de 1947 era omisso quanto a esses subsídios e foi através do Acordo sobre a Agricultura - em vigor a partir de 1 de Janeiro de 1995, que o assunto começou a ser tratado de forma efetiva.
As medidas relacionadas a subsídios foram incluídas pelo Acordo em três compartimentos: verde, amarelo e azul. No verde estão aquelas que causam pouca ou nenhuma distorção ao comércio; no amarelo as que precisam ser eliminadas e no azul os subsídios relacionados a medidas destinadas a reduzir a produção.
O que distingue o amarelo do azul é o entendimento do objetivo: conquista ou manutenção de mercados, no primeiro; redução da produção, no segundo.
O período para a implementação das disposições do Acordo sobre a Agricultura foi estabelecido em 6 e 10 anos. Os países desenvolvidos teriam 6 anos e os países em desenvolvimento, 10 anos.
De início, o próprio Acordo estabelecia a retomada das negociações em 2000 - hum ano antes do fim do período de aplicação para países desenvolvidos.
Imediatamente antes deste reinício, em novembro/dezembro de 1999, realizou-se a Conferência Ministerial de Seattle, quando os EUA propuseram uma reforma global a longo prazo do comércio de produtos agropecuários. Era uma posição muito ambiciosa, principalmente porque o Grupo de Cairns - que reúne os principais (países) produtores agropecuários, excluídos os EUA e UE, acusava os dois de serem os principais responsáveis pelas distorções no comércio agropecuário. A rigor, não fazia distinção sobre qual dos dois era mais responsável. Queria (continua querendo) a completa eliminação de todos os subsídios a agricultura: quer sejam internos ou à exportação.
Subsídios internos constituem um eficiente meio de bloquear o acesso aos mercados do país que os utiliza, visto que, artificialmente, sustentam os preços em um patamar inacessível aos países exportadores.
As negociações tiveram seus reinício em março de 2000, quando foi estabelecido o cronograma para uma primeira fase, com reuniões previstas para os meses seguintes de junho, setembro e novembro.
A posição da UE foi expressa na sua proposta (apresentada na reunião de setembro) sobre como tratar a concorrência entre os Membros da OMC no mercado agropecuário internacional. É o documento G/AG/NG/W/34.
A UE reconhece ser o segundo maior produtor de produtos agropecuários e alimentícios - produtos agropecuários processados - e que a concorrência no mercado internacional é o tema de maior relevância nas negociações.
Tendo os EUA como alvo, a UE afirmava que, além dos subsídios diretos aos agricultores, outros mecanismos, que igualmente causam distorções no mercado, vinham sendo praticados e relacionava entre esses: os créditos subsidiados aos países importadores; o uso indevido da ajuda alimentar e certas praticas de sustentação de mercados a preços impeditivos às suas exportações.
A UE, no entanto, era acusada, pela quase totalidade dos Membros da OMC, de ser o (Membro) que mais recorria aos subsídios à exportação. Esta (UE), por sua vez, não negava, mas sustentava que sempre o fizera de forma transparente, mediante plena notificação e fiel cumprimento de suas obrigações dentro da OMC. Afinal, argumentava, reduzira seus subsídios de 55% sobre o valor total da produção, em 1992, para 9,4% em 1998.
Estava disposta a continuar buscando novas reduções, desde que aplicados critérios iguais a todas as formas de assistência às exportações de produtos agropecuários e alimentícios pelo conjunto de Membros da OMC, como já o demonstrara no seu documento WT/GC/W/27, de 27 de Junho de 1999.
1992 foi utilizado como ano base porque a UE foi oficialmente criada como unidade política pelo Tratado de Maastricht, assinado em 7 de Fevereiro daquele ano e entrado em vigor em 2 de novembro de 1993. No reinício das negociações sobre a agricultura a UE era formada por 15 (quinze) países sob o amparo do Tratado de Amsterdam, que entrou em vigor a 1 de Maio de 1999 reformando o Tratado de Maastricht. As transformações pelas quais os quinze países tinham passado entre os dois Tratados não foram levadas em conta pela UE ao fixar sua posição em 2000.
Os EUA já tinham feito a apresentação de sua proposta na reunião de junho. Em Seattle, como anfitriões da III Conferência Ministerial da OMC esperavam o início de uma nova rodada.
A Ministerial de Seattle começara em meio a manifestações de protestos contra a globalização promovidas por ONGs reunidas sob a determinação OUR World Is Not For Sale em defesa dos países em desenvolvimento, notadamente os de menor desenvolvimento relativo, que encontravam grandes dificuldades na implementação das Normas da OMC, em especial o Acordo sobre a Agricultura. O problema era de tal ordem que a Secretaria Geral da OMC dedicaria a ele a maior parte de seu tempo no esforço de soluciona-lo antes do início dos trabalhos de preparação da IV Conferencia Ministerial que, pelos cânones da OMC, realizar-se-ia em 2001, o que aconteceu na cidade de Doha, no Qatar, dando início a uma nova Rodada.
A proposta apresentada pelos EUA, na reunião de junho, fora tacitamente apoiada pelo Grupo de Cairns, que via a completa eliminação dos subsídios como a parte relevante a ser extraída da reforma global preconizada pelos norte-americanos e que viria a ser objeto de forte oposição. Inicialmente a reação não veio da UE ou dos países em desenvolvimento, que seriam fortemente afetados pela exclusão das empresas de comercio do Estado, sugerida na proposta, mas pela Korea e Japão. A primeira em defesa das empresas do Estado, o segundo em defesa dos países em desenvolvimento.
O objetivo dos EUA era uma reforma que retificasse e prevenisse as restrições e distorções dos mercados de produtos agropecuários. Do ponto de vista dos norte-americanos um elevado numero de países continuavam praticando programas oficiais e adotando medidas de proteção e isso, e não as condições de mercado, criava os obstáculos ao acesso aos mercados .
Em todo o preâmbulo de sua proposição os EUA não empregaram a palavra"subsídio", propunham a redução dos níveis de proteção e o reforço e/ou a criação das normas que fomentassem a segurança alimentar e o desenvolvimento sustentável.
Ao tratar da concorrência entre os países nos mercados internacionais de produtos agropecuários, propunham (EUA) eliminar os subsídios à exportação, os impostos variáveis sobre a exportação e disciplinar as empresas de comércio dos Estados.
Concorrentes entre si e tendo seus mercados internos defendidos por barreiras tarifárias e não tarifárias, EUA e UE buscavam os mesmos objetivos: afastar concorrentes e ampliar a participação no mercado internacional.(continua)