segunda-feira, junho 25, 2007

A Rodada de Doha - A Difícil Conclusão - II

Em Postdam, Alemanha, foi feita mais uma tentativa em dar seguimento a Rodada de Doha, mas, muito provavelmente, não será a última.
Brasil e Índia, em nome dos países em desenvolvimento, suspenderam as conversações ao admitirem que EUA e UE não haviam avançado em suas posições sobre os subsídios a agricultura, condicionando uma possível redução nesses subsídios a menores tarifas aduaneiras para produtos industrializados por parte dos países em desenvolvimento, bem como a abertura desses mercados para o pleno comércio de serviços.
A situação dos quatro países é a seguinte:
Na formação do PIB
Agricultura - Índia 19,9% - Brasil 8% - EUA 0,9% - UE 2,1%
Industria - Índia - 19,3% - Brasil - 38% - EUA 20,4% - UE 27,3%
Serviços - Índia - 60,7% - Brasil - 54% - EUA 78,6% - UE 70,5%
Ocupação/Emprego
Agricultura - Índia 60% - Brasil 20% - EUA 0,7% - UE 2,1%
Industria - Índia 12% - Brasil 14% - EUA 22,9% - UE 27,2%
Serviços - Índia 28% - Brasil 66% - EUA 76,4% - UE 67,1%
Nesse embate entre desenvolvidos e em desenvolvimento os números mostram a disparidade de Brasil e Índia e o equilíbrio de EUA e UE.
Como ator o Brasil tem um papel mais relevante do que a Índia, principalmente em agricultura, em que é o maior produtor embora menos dependente da agricultura na formação do PIB e do emprego. Na Índia o desemprego é de 7,8% enquanto no Brasil chega a 9,6%.
O Brasil é parte do Grupo de Cairns, que reúne três desenvolvidos, o Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia. O primeiro, por questões climáticas, produz uma safra por ano, o segundo, em consequência de um prolongado período de seca, viu reduzida sua produção pecuária e o terceiro não possui extensão territorial. Em produção agropecuária o Brasil é superior aos três.
Ao longo da Rodada de Doha o Brasil soube formar e fortalecer o G-20, do qual a Índia faz parte. É também (o Brasil) o líder do G-134 (países em desenvolvimento, de menor desenvolvimento relativo e aqueles que são importadores líquidos de alimentos).
A força da Índia vem de sua população: 6 vezes maior do que a do Brasil, 4 vezes a dos EUA e 2,5 a da UE. 25% de sua população vive abaixo da linha de pobreza, contra 31% do Brasil, mas ainda assim cinco vezes maior.Na área de serviços ocupa posição de destaque na produção de softwares, daí a importância deste item na formação do seu PIB.
A dificuldade dos países em desenvolvimento no sistema multilateral de comércio, representado pela OMC, é menos consequência do sistema em si e mais, muito mais, da dificuldade, ou mesmo da incapacidade, desses países desenvolverem políticas e disciplinas adequadas as suas características e compatíveis com as Normas da OMC. A OMC, através de sua Secretaria Geral, juntamente com o ICC, agência da UNCTAD, desenvolve amplo programa de formação de pessoal e de assessoramento para o desenvolvimento dessas políticas e disciplinas. É muito pequena a participação do ICC no Brasil. As Normas da OMC permitem amplos mecanismos de defesa aos países em desenvolvimento que se sintam prejudicados e muitas de suas Decisões Ministeriais voltam-se exclusivamente para assegurar esses direitos.
A posição do Brasil e da Índia ao retirarem-se da reunião em Postdam, em que pese o que possa ser dito, não enfraquece a posição dos países em desenvolvimento, ao contrário.
O problema não é a posição do país na OMC e muito menos a sua postura diante dos países desenvolvidos. O que levou a suspensão da Rodada de Doha em Julho passado foi a vantagem concedida pelo Brasil - não por sua delegação, mas pela marcha de tratores sobre Brasília, pouco antes da Reunião Extraordinária que deveria ter dado segmento a Rodada, que resultou em decisões internas contrárias às que o Brasil defendia em nome dos 134 países sob mandato dos quais a delegação brasileiro atua.
Com maiores vantagens comparativas, e em alguns setores maior vantagem competitiva, o Brasil não tem uma política agropecuária que permita à delegação brasileira na OMC exercer plenamente a sua inegável capacidade negociadora. Pratica um crédito agrícola que possue características de subsídio direto ao agricultor, possui um estrutura interna de comercialização deficiente e, através da Conab, uma atuação pouco clara e que pode ser entendida como sustentação de preços ao produtor com o correspondente pagamento em moeda sem contrapartida ao consumidor. A situação do agricultor é de elevado endividamento, muito superior ao valor total da produção.
A OMC é um jogo de estratégias em que qualquer argumento é argumento. A agricultura brasileira não se encontra sob uma coordenação única, a descoordenação dos diversos ministérios que estendem sua atuação a agricultura, e aparentemente desconhecem o que se passa na OMC, prejudicam muito a posição do Brasil, forçando muitas vezes a delegação brasileira a atuar como terceiro país por falta de apoio interno.
Foi bastante positiva a atitude do Brasil e da Índia, mas é muito pouco provável que as reuniões possam tomar um ritmo, e um rumo, mais construtivo enquanto Brasília não compreender o que realmente está em jogo. EUA e UE contam com a descoordenação interna para exigirem mais e concederem menos. O Brasil assumiu uma posição na OMC em que é a peça chave para a conclusão de Rodada, falta a compreensão e o apoio interno.