sexta-feira, abril 06, 2007

Ainda sobre o Alcool Combustível

O entusiasmo que parece tomar conta dos setores ligados ao agronegócio sobre as grandes possibilidades do Brasil no futuro mercado de combustíveis vegetais, não demonstra conhecer exatamente o que é o sistema de comércio internacional sob a égide da OMC.
É fato que o Brasil tornou-se um ator relevante nas negociações da Rodada de Doha. É fato, também, que essa relevância não resultou de ações integradas dos agentes exportadores do Brasil. É muito mais o informal mandato conseguido pelo Ministério das Relações Exteriores, como representante dos interesses da maior parte dos países em desenvolvimento, do que do efetivo posicionamento do agronegócio brasileiro.
Alguns Acordos da OMC merecem especial atenção daqueles que deveriam agir em nome de seus próprios interesses. São eles: o Acordo sobre Subvenções e Medidas Compensatórias e o Acordo Antidumping. Igualmente os trabalhos do Comitê de Comercio e Meio Ambiente precisam ser acompanhados.
As principais economias são países membros da OMC e os exportadores de petróleo que não são membros estão na condição de observadores. Nenhum deles assistirá com desinteresse o surgimento do novo mercado. O Pico de Hubbert ainda não ocorreu.
O Brasil detêm a vanguarda tecnológica no campo dos combustíveis de origem vegetal, mas não tem sido ágil na defesa de seus interesses quando confrontado por outros membros da OMC. Vencedor no Órgão de Apelação da OMC em mais de uma demanda, não tem adotado medidas compensatórias - o que lhe é permitido, decorrido o prazo de seis meses após o encerramento do processo, quando a outra parte não cumpre o compromisso assumido. Vence mas não leva.
Por outro lado, não são poucas as acusações que podem ser levantadas contra o Brasil (ver na postagem anterior quais são e porque isso não é feito) e o amadorismo brasileiro não é a regra no âmbito da OMC. É muito provável que a sobre-taxa sobre a importação de etanol a base de cana de açúcar determinada pelo Congresso norte-americano seja, na realidade, uma manobra antecipada para garantir os subsídios do governo americano ao etanol a base de milho de eventuais futuras reclamações ao Órgão de Solução de Diferenças, do Conselho Geral da OMC. Falta aos EUA massa crítica para o deslanche de projetos de pesquisa sobre o etanol a partir da biomassa seca.
O Brasil, que pretende ser o grande fornecedor de etanol aos EUA, não se pronunciou na OMC sobre os subsídios norte-americanos ao etanol de milho. Se vier a fazê-lo terá pouca margem de manobra, devido ao apoio interno concedido aos produtores de cana de açúcar, ao não cumprimento dos acordos sobre o meio ambiente dos quais é signatário e ao fato de não ter qualquer compromisso de redução de gases de efeito estufa (GHG) no Protocolo de Quioto. No período de 1997 (quando o Protocolo foi assinado) a 2005 (quando o Protocolo entrou em vigor) o Brasil tornou-se o quarto maior emissor de GHG. O desmatamento da Amazônia e o avanço sobre o Pantanal poderão facilmente ser utilizados para impor tarifas ambientais ao combustível vegetal brasileiro. O Comitê de Comércio e Meio Ambiente basea-se nos acordos multilaterais sobre o meio ambiente ao analisar eventuais obstáculos técnicos ao comércio e, nesse caso, o Brasil é parte vencida. O processo de produção é parte da análise.
É, também, muito provável que os EUA (o Executivo e o Congresso) ratifiquem o Protocolo de Quioto e, para isso, imponham, com a concordância das Partes AnexoI - os países que possuem compromissos de redução de emissões, compromissos de redução às Partes NãoAnexoI ( os países que não possuem compromissos), especialmente ao Brasil, que se elevou a posição de quarto maior emissor de GHG. Como maior emissor e maior economia isso é facilmente conseguido, principalmente se usarem os últimos relatórios do IPCC como argumento. O avanço do Brasil na posição de emissor de GHG pode ser, e será, atribuído á expansão da cana de açúcar e da soja - as duas matérias primas básicas dos agrocombustíveis brasileiros.
Como não parece haver sintonia entre os diversos ministérios do Poder Executivo brasileiro que, direta ou indiretamente, possuem atuação sobre o comércio internacional do Brasil, é muito pouco provável que o país, como um todo, venha a se beneficiar do novo mercado. Não parece haver qualquer movimento, por parte do governo, para que internamente (no Brasil) tome forma um mercado para a nova commodity. Os preços do álcool combustível no Brasil continuam variando em função da safra, não há estoque regulador.
Do mesmo modo como a maior parte da soja é negociada em Chicago e o café em Nova York, a nova mercadoria deverá encontrar outro centro, que não o Brasil, para ser negociada. É preciso lembrar que em Chicago o principal comprador e vendedor é o governo norte-americano. No futuro, não tendo o Brasil meios de intervir nos mecanismos de fixação de preços do álcool combustível ocorrerá, por força dos produtores nacionais, o subsídio que favorecerá os consumidores dos países importadores. Adotado o subsídio para exportação o Brasil perderá qualquer possibilidade de se tornar um ator de destaque no novo mercado. Será o que sempre foi, apenas um grande fornecedor.