segunda-feira, setembro 03, 2007

A Rodada de Doha - Em busca de acordos II

Cabe, para uma analise dos documentos sobre as modalidades propostas, conhecer a Declaração Ministerial de Hong Kong, última decisão formal nas negociações sobre agricultura e o NAMA, como é conhecido (por sua sigla em inglês) o tema "acesso aos mercados para produtos não agrícolas.
Ao iniciar-se a Conferência Ministerial - órgão maior da OMC, que fez a declaração, a avaliação do andamento das negociações indicavam estarem as mesmas em um estágio que revelava enormes dificuldades para a elaboração de documentos sobre as modalidades a serem negociadas para um futuro acordo sobre a agricultura e o NAMA.
A Declaração Ministerial de Hong Kong trata a questão nos seus 23 primeiros Parágrafos e no 24 recomenda aos negociadores um elevado nível de ambição no trato de ambos os temas. No 10, para agricultura e no 23 para o NAMA reconhece faltar muito para estabelecer as modalidades e dar continuidade as negociações. Os Parágrafos 11 e 12 tratam do algodão, que em 19 de Novembro de 2004 foi separado da agricultura com a criação de um sub-Cometê específico.
No caso da agricultura o problema mais sério, e de cuja solução depende o andamento do processo negociador, refere-se aos níveis a serem permitidos para a assistência interna, ou apoio doméstico. O Acordo sobre a Agricultura, em vigor desde 1 de Janeiro de 1995, estabeleceu o MGA total - que é a soma do total dos valores que um governo transfere para seus agricultores por produto. A questão é como reduzir esse montante.
O Paragrafo 5 da Declaração determinou que essas reduções seriam feitas em 3 bandas (faixas) distintas. A superior, para os Membros com o nível mais elevado de apoio; o intermediário, para aqueles com os segundo e terceiro níveis de apoio e na banda inferior, os demais Membros, incluídos os países em desenvolvimento.
No documento apresentado em Julho último a UE esta colocada na banda superior e os EUA e Japão na banda intermediaria. O compromisso de redução a ser aceito pela UE é de uma redução de 70 a 80%, em um patamar mínimo de US$60 bilhões. Para os EUA e Japão o patamar vai de US$10 a US$60 bilhões e a redução seria de 53 a 75%. A banda inferior teria um patamar de US$10 bilhões e reduções de 70 a 80%.
O Acordo sobre a Agricultura estabelece também o "de minimis", ou seja o valor máximo que um país pode conceder em assistência a seus agricultores sem necessidade de qualquer notificação. Pelo Acordo, o "de minimis" para os Membros desenvolvidos é de 5% e 10% para os em desenvolvimento. Reduzir o "de minimis" é outra problema. O que esta em discussão é uma redução entre 50 e 80%, sendo que aos países em desenvolvimento que tenham MGA seria aplicado um percentual inferior a dois terços do que for aceito pelos desenvolvidos.
A dificuldade para chegar a um "de minimis" aceitável não é menor do que as reduções nas bandas do MGS total. Envolve, além dos valores pagos diretamente aos agricultores - que é entendido como o apoio doméstico, os subsídios à exportação. Essa questão vem sendo regulada pelo uso de três "compartimentos" onde são classificadas as medidas relativas ao comércio.
Uma medida para estimular o comércio pode distorcer ou não o comércio. Distorcer o comércio é o mesmo que prejudicar outros países no concorrido mercado de exportação. As que não distorcem, ou distorcem muito pouco, são classificadas no compartimento verde, as que distorcem e são proibidas, no amarelo e as que se destinam a reduzir a produção - independente se distorcem ou não, são incluídas no azul, desde que respeitadas certas condições. Mas o azul é mais complicado que os outros dois.
É possível que um país queira reduzir a produção por muitos motivos, entre os quais pode ser para forçar um aumento dos preços. Mas pode ser também para atender a políticas de preservação do meio ambiente. O meio ambiente é incluído nas preocupações não comerciais, que incluem, entre muitas outras razões, a segurança alimentar. Para os países que são importadores líquidos de alimentos, a segurança alimentar é a garantia da disponibilidade do produto no mercado internacional a um preço adequado e estável. Para muitos países exportadores de produtos agrícolas, medidas de preservação do meio ambiente é a garantia da sustentabilidade da produção que assegure a sua própria segurança alimentar - a garantia de alimentar suas populações urbanas a preços baixos.
O espírito da Rodada de Doha incorpora o princípio do "single undertaking", o que significa que ou todos concordam ou não há acordo. O Japão, que divide com os EUA a banda intermediária para os compromissos de redução no apoio doméstico, é, entre os desenvolvidos, o maior importador liquido de alimentos e o mais preocupado com a segurança alimentar. Divide com a Suíça, igualmente importador líquido de alimentos, preocupações não comerciais relativas ao meio ambiente, assunto sobre o qual a Declaração dedica os Parágrafos 30 a 32, sendo que o 31 recomenda especial observância aos acordos multilaterais sobre o meio ambiente. No entanto, muitos países em desenvolvimento não são favoráveis a medidas sobre o meio ambiente que possam prejudicar sua produção agrícola e suas políticas de desenvolvimento. O que encontra forte oposição da UE, que encontra apoio no Japão, Suíça e muitos países em desenvolvimento, principalmente os países insulares de pequena economia, todos com preocupações não comerciais que envolvem, para muitos, as multifuncionalidades da agricultura e outros - os insulares, suas receitas com o turismo, principal fonte de recursos externos.
As negociações retomadas a partir da distribuição dos documentos, necessariamente terão que determinar como serão tratados os três compartimentos, quais serão os patamares e os percentuais e como lidar, no compartimento amarelo, com os subsídios à exportação. Sem isso não será possível resolver o problema do apoio doméstico e dar continuidade ao processo de reforma do comércio agrícola mundial.