sábado, julho 29, 2006

O Brasil, a OMC e a Rodada de Doha - III

A Rodada de Doha iniciou-se efetivamente a partir de março de 2002, quando os grupos negociadores, formados a partir do Comitê de Negociações Comerciais, sob a autoridade do Conselho Geral, iniciaram os trabalhos objetivando atender a uma agenda extremamente complexa, visando a V Conferência Ministerial, a realizar-se em 2003, quando deveriam apresentar as listas de compromissos finais.
A agricultura, como tema central, estabeleceu como objeto das negociações os três pontos básicos do Acordo sobre Agricultura (ver postagem de 27/07/06), a saber: acesso a mercados, apoio interno e subsídios externos.
A Comunidade Européia propunha o aperfeiçoamento de regras estabelecidas na Rodada Uruguai, que envolviam a redução linear de tarifas e a administração das quotas-tarifárias, sem considerar, no entanto, a estrutura da escala tributária que penalizava os produtos agrícolas proporcionalmente ao seu conteúdo de valor agregado.
Os EUA, de certa forma, complementavam a proposta da UE, ao sugerir uma ampla liberalização do comércio agrícola, com reduções substanciais de tarifas e incremento das quotas-tarifárias. Com isso procuravam incrementar suas exportações de produtos agrícolas, já então as maiores do mundo.
Para o Brasil, ambas as propostas não eram significativas, em virtude das tarifas extremamente elevadas para produtos brasileiros com valor agregado, café soluvel e suco de laranja, por exemplo. Os EUA, o maior exportador, propunham que nenhum produto deveria ser isento de rebaixamento de tarifas, ao mesmo tempo em que níveis diferenciados de compromissos de redução tarifária para diferentes categoria de países não exitiriam. Devido às diferentes estruturas econômicas dos diversos países e seus níveis de produção agrícola, os países de economias desenvolvidas seriam privilegiados em relação aos grandes produtores com estruturas econômicas menos diversificadas. As barreiras tarifárias para produtos agrícolas nos EUA e na UE são extremamente elevadas.
Por essa época os subsídios aos agricultores dos EUA aumentavam a produção provocando o aumento dos estoques e, consequentemente, a redução dos preços. Mesmo admitindo um rebaixamento de tarifas, a produção doméstica não poderia enfrentar a competição externa. Aspectos da economia interna nos EUA não ofereciam margem para uma proposição consistente aos produtores e exportadores para o mercado norte-americano.
Em adição, países da África, do Caribe e do Pacífico, em sua maioria insulares, usufruiam de preferência aos mercados da UE e dos EUA. Esse regime preferencial, baseia-se na vulnerabilidade desses países, resultante da monocultura e dos desastres naturais a que estão sujeitos. Ao mesmo tempo em que esses países se mantêm em situação de dependência, suas economias permanecem a margem da dinâmica dos mercados, por falta de inovação e perda de competitividade.
Esta situação, potencialmente crítica, resulta numa aliança entre os países de economia desenvolvida, que concedem os privilégios e por meio deles estruturam proteção aos seus mercados internos, e aqueles em condição de subdesenvolvimento.
Essa questão, em detrimento dos demais países em desenvolvimento, impede a ampliação dos ganhos de uma maior liberalização comercial, prejudica o sistema multilateral de comércio e impede uma redução tarifária ambiciosa. Por outro lado, negociações a margem da OMC, entre blocos econômicos, como o Mercosul e a UE, por exemplo, apresentam-se como alternativas a eventuais bloqueios ao processo de liberalização comercial.
O problema tarifário envolvem interesses conflitantes entre países, países e blocos econômicos (de países) e blocos (econômico e/ou político)distintos.
Um deles, o mais ativo nos embates do comércio agrícola, do qual o Brasil faz parte, é o Grupo Cairns, composto por 18 (dezoito) países exportadores de produtos agrícolas. Pouco antes da Rodada de Doha, o Grupo Cairns fixou sua posição, através de uma firme declaração, na qual afirmavam não "permitir que os países ricos distorçam o comércio mundial em detrimento dos países em desenvolvimento". Colocavam-se em franca oposição a "europeus, norte-americanos, japoneses e coreanos" e determinavam sua própria parte nas negociações. A saber:" redução agressiva das tarifas de uma só vez, eliminação das barreiras não tarifárias ao comércio, eliminação dos subsídios às exportações e agressiva redução da ajuda que distorciona o comércio".
No âmbito das negociações sobre o comércio de produtos agrícolas eram essas as posições. (continua)