segunda-feira, agosto 07, 2006

O Brasil, a OMC e a Rodada de Doha - VII

Para o efetivo início das negociações foram criados apenas dois comitês negociadores, um para acesso a mercados e outro para regras de comércio relativas ao dumping, aos subsídios e a acordos regionais. Os demais temas seriam tratados em sessões especiais dos órgãos já existentes: agricultura; serviços; propriedade intelectual; meio ambiente; tratamento especial e diferenciado; e solução de controvésias. Acordos resultantes da Rodada Uruguai seriam discutidos no âmbito dos órgãos citados acima. Incluiam medidas de investimentos, têxteis, barreiras técnicas, medidas sanitárias e fitosanitárias, salvaguardas, valoração e licenças de importação.
O que começava a ficar claro era a necessidade de ampliação do processo de negociação, evitando os intervalos entre as rodadas e permitindo a inclusão de países não membros da OMC, mas que são atores no contexto global, como Líbia e Irã, com o acesso a OMC bloqueado pelos EUA. Tornava-se igualmente relevante a capacitação técnica dos países menos desenvolvidos.
Para o ano de 2002 foram incluídas as questões relativas à competitividade das exportações, acesso a mercados, apoio interno e, ao fim daquele ano, a revisão geral dos temas discutidos. Como na Rodada Uruguai as três áreas eram fundamentais. Nos primeiros meses de 2003 deveria estar concluída uma versão sobre modalidades a ser submetida para uma lista de compromissos.
O apoio interno refere-se à quantidade de unidade monetária gasta pelos governos no apoio à produção interna para gerar a mesma quantidade de produto, comparativamente entre governos. Neste item a posição brasileira já era antagônica às da UE e EUA, que se aproximavam no montante de subsídios à produção agrícola. O cerne da questão era que nos EUA a política agrícola é responsabilidade do Congresso, enquanto na UE a Política Agrícola Comum era, e é, um dos pilares da integração econômica européia. Subsídios, portanto, estão intimamente ligados às duas outras questões: a competitividade das exportações e o acesso a mercados.
O Brasil defendia uma revisão profunda no Acordo sobre anti-dumping e subsídios, posição igualmente adotada pelo Japão e Canada. Os EUA e a UE, como dito acima, defendiam a munutenção do status quo.
Quanto aos serviços, as partes declaravam ter como objetivo a obtenção de maiores níveis de liberalização. Tal declaração esbarrava na capacitação técnica de parte dos países menos desenvolvidos, como ficava patente pelo confronto entre alguns desses países com os desenvolvidos, ainda que não tivessem apresentado propostas sobre os seus interesses exportadores em algum setor específico de serviços ou sobre o modo de prestação.
De tal forma não havia consenso sobre mecanismos de salvaguardas em serviços, que o prazo para esse tema foi fixado para março de 2004. Dentro desse contexto ficou estabelecido que as primeiras sessões fossem organizadas para permitir a realização de contatos bilaterais entre delegações, de maneira a tornar possível o tratamento de temas constantes da agenda permanente, inclusive, ou principalmente, no que se referia às propostas de objetivo geral das negociações. Isso é o que foi possível.
Negociações sobre agricultura e serviços necessariamente ligam-se ao meio ambiente, não apenas por que este é o caminho para o desenvolvimento sustentável, determinado em 1992 como uma das metas do milênio, como por fazerem parte de um conjunto indissociável.
Neste caso assumiu contornos de confronto quando relacionado com a pesca. Os subsídios à frota pesqueira, praticados pela comunidade européia, Japão e Coréia, levaram à diminuição dos cardumes, afetando negativamente os mercados para os exportadores sem subsídios (para a pesca), caso dos EUA, Nova Zelandia, Austrália e Chile. O Brasil, apesar do seu litoral de 8500 km e do seu mar territorial de 200 milhas, não é parte em negociações sobre a pesca. No entanto, com o Protocolo de Quioto já assinado (ainda não entrara em vigor) que, por influência e determinação do Brasil, estabelecera o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, foi necessário dismistificar (ou pelo menos tentar) a relação de casualidade entre a condição de defensor da causa ambiental e a necessidade de alteração das regras da OMC.
Todo o processo de negociação que tenha o comércio internacional como objeto de interêsse, levará as partes, muitas vezes, a defender posições eventualmente conflitantes com sua própria posição em áreas distintas, como ficou claro com o Brasil e o Japão. Aliados na revisão do Acordo Anti-dumping e Subsídios, partes contrárias na questão do meio ambiente relativo a pesca. O Japão ao mesmo tempo em que apoiava a revisão dos subsídios, sustentava sua manutenção para a pesca. (continua)