terça-feira, agosto 08, 2006

O Brasil, a OMC e a Rodada de Doha - VIII

Negociações sobre comércio internacional envolvem, no seu âmago, questões nem sempre diretamente relacionadas com a prática do comércio. Uma dessas questões é a participação, como observadores, de organizações representativas de interesses de grupos de países de uma determinada região, como a Organização da União Africana, ou de uma determinada cultura, o caso da Organização da Conferência Islâmica. Dificuldades políticas, a nível internacional, muitas vezes provocam polêmicas nem sempre fáceis de serem contornadas. Outras organizações de cunho científico, envolvidas com aspectos tratados no Conselho de TRIPS - Trade-related Aspects of Intellectual Property Rights, igualmente buscam participação, como observadores, nas reuniões regulares do Conselho Geral. São questões que podem emperrar o ritmo dos trabalhos de um, ou mais de um, dos grupos negociadores. Isto aconteceu quando do início da Rodada de Doha e continuará a acontecer até que seja resolvido de forma definitiva. É um assunto delicado, que levou a OMC a realizar alguns seminários de modo a permitir o amplo debate com organizações não governamentais e centros acadêmicos.
Por outro lado é necessário controlar o ímpeto das delegações que apresentam propostas de demanda, uma vez que, exageradamente ofensivas, podem provocar a retirada de delegações de um dos países demandados. Para evitar posturas extremadas foi adotado o princípio "single undertaking", ou seja, os pontos em negociação constituem um todo indivisível, em que nada estará acordado se o todo não estiver acordado. Isso era de extrema importancia e levaria ao atual período de interrupção. Temas complexos interligam-se com problemas urgentes, afetam diretamente o comércio internacional, estimulam grupos de pressão e, não raro, provocam crises entre os países negociadores.
Entre esses temas os mais significativos relacionam-se ao meio ambiente, erradicação da pobreza, comércio e desenvolvimento social, prestação de serviços por meio digital, segurança alimentar, que, ao fim e ao cabo, levam aos acesso a mercado, competitividade das exportações e subsídios (ou apoio interno).
Assim, as negociações se iniciaram com os países se posicionando, ou por uma reestruturação ampla, ou por uma mudança específica segundo seus interesses. A manutenção do status quo, o amplo uso de subsídios, principalmente na agricultura, uniam, em princípio, EUA e CE. Mas nada é tão simples.
Antes do início da Rodada de Doha os EUA já haviam proposto que as regras do Acordo sobre Agricultura, relativas a subsídios, fossem reformuladas para, simultaneamente, reduzir as disparidades no nível dos subsídios e simplificar as disciplinas relativas a esse item. Ao iniciar-se a Rodada, os EUA propuseram que fossem incorporadas às negociações a proteção ao meio ambiente e aos recursos naturais juntamente com o desenvolvimento rural e novas tecnologias. Essas novas tecnologias levariam os EUA e a CE ao afastamento, e, igualmente, o Brasil. Os EUA concordavam em reduzir os níveis de subsídios, de modo a evitar o uso de técnicas intensivas de cultivo, que, se afetam o meio ambiente, também resultam em superprodução e, consequentemente, queda nos preços. Naquele ano o Brasil esperimentava uma considerável expanção da área agrícola, com o crescente cultivo da soja e, talvez mais importante do ponto de vista dos EUA, isso era feito através do crédido agrícola, da forma como isso é feito no Brasil.
Os preços da soja estavam em elevação, mas isso ocorria em função da formação de estoques por parte da China. A acomodação dos preços em um nível mais baixo não era difícil de ser antevisto. O Brasil não tinha, e não tem, uma política de preços. A crise na agricultura brasileira era. pois, igualmente previsível.O efeito-renda, advindo dos estoques chineses, incentivaria os produtores brasileiros a assumirem maiores riscos para aumentar a produção, sem atentar para os sinais do mercado.
Se novas tecnologias, na produção de sementes, e a valorização do Euro em relação ao Dolar, que resultou no declínio do valor bruto da produção agrícola da CE, embora a produção tenha aumentado, levaram ao afastamento dos EUA e CE, a anunciada crise na agricultura brasileira, que seria antecipada pela apreciação do Real frente ao Dolar, levaram os EUA a afastarem-se mais do Brasil, de modo a consolidar uma posição de maior solidez em relação a CE e, de igual modo, frente ao Brasil, tendo em vista as negociações quanto a ALCA e ao posicionamento do MERCOSUL. Os EUA sinalizavam um duro processo de negociação.
Medidas adotadas pelo Congresso norte-americano elevando os subsídios americano aos níveis característicos da política agrícola dos países europeus, elevaram o clima de tensão no âmbito da OMC, já provocado pelos seus principais atores, EUA e CE, que apesar da retórica liberalizante, vinham acentuando políticas protecionistas. Não havia consenso nem mesmo quanto aos resultados da Rodada Uruguai.