sábado, agosto 12, 2006

O Brasil, a OMC e a Rodada de Doha - XI

Ao final de junho os Ministros da Agricultura dos países da Comunidade Européia, reconhecendo ser a agricultura a questão básica da Rodada de Doha, e tendo como objetivo um melhor posicionamento na Conferência Ministerial marcada para setembro (ver postagem anterior), anunciaram uma reforma na Política Agrícola Comum.
Em 13 de agosto, CE e EUA apresentaram uma proposta conjunta para as negociações agrícolas. Pretendiam desbloquear o impasse nas negociações sobre esta questão, embora o Grupo de Cairns, já antes, afirmara que o entendimento entre CE e EUA não era condição suficiente para resolver o problema. E de fato não era. Os EUA procuravam limitar-se aos subsídios domésticos, a CE ao tema Acesso a Mercados, ou seja, as áreas mais sensíveis no posicionamento de cada um.
Os trabalhos preparatórios para Cancun tomaram um ritmo intenso quando o Brasil, em reação ao documento conjunto EUA-CE, coordenou a elaboração de uma proposta conjunta de estrutura para as negociações agrícolas que reuniu 20 países em desenvolvimento, todos insatisfeitos com o posicionamente de EUA e CE. Este grupo, que se tornou conhecido como G-20, incluia a India, a China e a Argentina.
A Conferência Ministerial em Cancun iniciar-se-ia com duas propostas, uma das partes em confronto, EUA e CE, a outra dos 20 países unidos e apoiados pela ampla maioria dos países em desenvolvimento e por todos os países desenvolvidos do Grupo de Cairns. A proposta EUA-CE tornou-se a base da Declaração Ministerial de Cancun, o documento oficial do Conselho Geral. A proposta do G-20 foi apresentada pelo Brasil como documento oficial da Conferência Ministerial, o que foi aceito pelo Conselho Geral como segundo documento oficial. Foi com essa vitória brasileira que Cancun teve início.
Ficava claro que as demais áreas dependeriam do que viesse a ser conseguido nas negociações agrícolas. O G-20, apoiado por todos os países que formavam o Grupo de Cairns, tornava-se um ator de mesmo peso dos EUA e CE. Na realidade Cancun seria travada entre os três. Não foi.
A Conferência Ministerial de Cancun foi breve e melancólica. Iniciada no dia 10, encerrou-se no dia 14 quando o Presidente da Ministerial, a presidência cabia ao México, declarou-se incapaz de continuar presidindo a reunião.
Apesar disso, ou por isso, o G-20 consolidou-se como uma força organizada e dinâmica, tornando-se um instrumento de enorme poder negociador, tendo o Grupo de Cairns assumido uma posição segundária, já que dos seus 17 membros (na época) 12 integravam o G-20.
Ao G-20 uniram-se o Grupo Africano e os países de menor desenvolvimento relativo, que demonstraram coesão em torno de uma visão estratégica capitaneada pelo Brasil.
A ausência de resultados em Cancun, em que pese os esforços contrários, provocou desgaste na OMC. A retomada das negociações passou a depender da disposição de EUA e CE de assumirem posições mais flexiveis.
No âmbito da OMC os trabalhos foram retomados em ritmo lento, explorando os limites do que poderiam ser as negiciações em 2004. Agricultura tornara-se de fato, e efetivamente, a pedra fundamental da Rodada de Doha. O estágio das negociações pré-Cancun refletia a relação de interesses dos dois grandes atores, EUA e CE, e não deixava espaço para os demais participantes. Ao iniciar-se o estágio pós-Cancun, o novo ator, o G-20, entrara em cena disposto a fazer valer a sua força.
Organizara o mundo em desenvolvimento em torno de uma posição única e oferecia uma sólida e inédita plataforma de interlocução para a busca do consenso na quetão agrícola. (continua)