quarta-feira, agosto 16, 2006

O Brasil, a OMC e a Rodada de Doha - XIII

Intensas negociações se desenvolveram nos meses seguintes. A OMC, sucessora do GATT, herdara o consenso que pressupunha a essencialidade da relação entre a CE e os EUA. Um terceiro ator não era próprio da cultura do GATT, que admitia que todo o sistema girava em torno de seus dois principais centros de poder. O G-20, ao apresentar-se na liça, determinou um novo padrão negociador, que deslocava o eixo do sistema e forçava os seus antigos dois grandes atores a moverem-se, como os demais, em busca de uma posição que permitisse o equilíbrio entre os interesses dos diversos membros. CE e EUA, não acostumados a haverem-se com outros, levaram à não conclusão da reunião de Cancun e à percepção da Rodada de Doha como perdida. Tornava-se evidente a incapacidade dos dois grandes combaterem outros oponentes.
Em 2004, na passagem de julho para agosto, foi aprovado um conjunto de decisões que permitiu a preservação do Mandato de Doha, embora ao custo de alguns temas caros aos EUA e CE.
O G-20, ao contrário, não foi afetado. Passara a congregar em torno de si a quase totalidade dos demais membros, através de seus diversos grupamentos, e isolava os poucos que, ao não se alinharem a CE e EUA, buscavam uma posição independente. Tornara-se, assim, o principal articulador, representado, de forma incontestável, por Brasil, India, China, Africa do Sul e Argentina. CE e EUA, divergentes, não mais contariam com aliados no contexto das negociações.
A agricultura tornou-se o âmago da Rodada de Doha, ao contrário do que pretendiam a CE e os EUA, que buscavam ordenar a competição entre ambos de modo a preservar os respectivos interesses fundamentais, com pouco, ou nenhum, interesse pelos demais países membros, notadamente os países em desenvolvimento.
O tema agrícola avançara substancialmente. Pós acordo, assegurava-se a redução considerável nos níveis de apoio interno e a harmonização e proporcionalidade dos cortes para EUA e CE.
Quanto à competitividade das exportações, ficou estabelecido a fixação de uma data para a eliminação dos subsídios, o ordenamento dos créditos a exportação e às garantias e programas de seguro não conformes com as práticas de mercado. O mesmo aplicava-se a ajuda alimentar. Adicionalmente, em paralelo, as demais formas de subsídios à exportação seriam eliminadas.
O bom andamento conseguido com o acordo de julho/agosto permitiu o estabelecimento de um cronograma para os principais temas, com reuniões mensais para , além de agricultura, serviços e regras comerciais (antidumping, subsídios e bens não-agrícolas) e mais freqüência de reuniões sobre outros temas da Rodada, como meio ambiente, tratamento especial e diferenciado, TRIPS e solução de controvérsias. Foi criado, também, um novo grupo negociador para facilitação do comércio. Com tais medidas, objetivava-se que, ao serem plenamente retomadas , na primavera européia de 2005, os trabalhos seriam beneficiados por um conhecimento maior, e melhor, sobre os temas em discussão, cuja complexidade ficara patente.
O Conselho Geral da OMC fixou, em outubro, a data para a próxima Conferência Ministerial da OMC. Realizar-se-ia em dezembro de 2005, na cidade de Hong Kong.
Inicialmente prevista para encerrar-se em janeiro de 2005 a Rodada de Doha alongava-se. Haveria tempo para que os trabalhos, se realizados de forma consistente, buscassem a aprovação para as modalidades de agricultura e para o acesso a mercados para produtos não-agrícolas. Para conseguir que isso fosse possível, ficou acertado que o nível da ambição para Hong Kong seria estabelecido pelo Conselho Geral alguns mêses antes, em função da evolução das negociações. Estimava-se, em princípio, que isto poderia ser conseguido em abril/maio de 2005. Não havia expectativa de concluir a Rodada em Hong Kong.
Nesse meio tempo, como se verificou mais tarde, o G-20 iria se fortalecer mediante a realização de diversos estudos técnicos sobre modalidades de agricultura. (continua)