quinta-feira, agosto 24, 2006

O Brasil, a OMC e a Rodada de Doha - XIX

Após os exercícios de simulação de fórmulas e coeficiêntes em Agricultura e NAMA (ver postagem anterior), o espírito negociador centrou-se nos três temas centrais das negociações. Em virtude da posição do G-20 e dos outros países em desenvolvimento, os países desenvolvidos, principalmente CE e EUA, admitiam que as três áreas eram a chave para o avanço das outras áreas que , necessariamente, precisariam ser resolvidas para que a Rodada de Doha pudesse ser concluída.
As três áreas (e isso era fato conhecido) eram: apoio interno em agricultura; acesso a mercados em agricultura e NAMA (acesso a mercados para bens não-agrícolas). Ainda assim o G-20 assinalou sua preocupação com a falta de progresso, particularmente na definição de modalidades para agricultura.
Tudo indicava que a reunião ao final de abril não iria resultar em nenhum avanço substancial.
Em consonância com o G-20, o Grupo Africano queixava-se do desgaste no regime de preferências e na remoção das barreiras não-tarifárias. Focava seu motivo de insatisfação na baixa do preço do algodão e na importância da ajuda alimentar. Em Hong Kong o algodão tinha sido tratado de modo específico, não incluído em agricultura e NAMA, mas particularmente. Algodão era um tema caro ao G-20.
Em agricultura, o G-20 fez circular dados estatísticos que demonstravam o desvio do comércio agrícola dos países em desenvolvimento em favor dos desenvolvidos. Era necessário não apenas reverter o desvio, mas alcançar equilíbrio, em termos comparativos, no acesso a mercados para produtos agrícolas e não-agrícolas. Para chegar ao equilíbrio os elementos propostos eram, cada um por sí, motivos de ampla controvérsia. Eram eles: as fórmulas de corte; a flexibilidade referente aos produtos agrícolas sensíveis; as tarifas máximas e a relação entre tarifas consolidadas e aplicadas e, por último mas não em último, a simplificação tarifária.
A ajuda alimentar interpunha-se nas negociações. Não poderia ser interpretada como deslocamento de comércio entre os doadores e o receptor, o que levou a distinção em duas categorias: emergencial e não-emergencial, sendo a emergência definida por agência da ONU. Era uma questão que, se não acrescentava nada aos países desenvolvidos, favorecia o G-20, especificamente o seu membro mais importante nesse aspecto, a Índia.
Em ambas as questões, equilíbrio no acesso a mercados e ajuda alimentar, a CE não emitiu qualquer pronunciamento, enquanto que os EUA manifestaram-se, favoravelmente, quanto a ajuda alimentar.
A questão do algodão oscilava entre Agricultura e NAMA.
A proposta do G-20 para alcançar equilíbrio entre produtos agrícolas e não-agrícolas causou impacto no grupo negociador de NAMA. Não era a primeira vez que os quatro elementos propostos para alcançar o equilíbrio haviam sido propostos. Como os trabalhos em agricultura haviam começado antes, no período pós-Hong Kong, centrara-se em estudos técnicos que subsidiassem e fortalecessem as posições políticas. O que foi conseguido, de modo que os trabalhos chegaram a bom termo nas questões da abrangência do comércio envolvido, limitados aos não-agrícolas, e ao tratamento de tarifas não consolidadas. Quanto às fórmulas de corte continuaram em debate os exercícios de simulação e os parâmetros e indicadores a serem adotados. Para as barreiras não-tarifárias as negociações centraram-se na questão das notificações e na futura (em aberto) negociação das barreiras, tendo sido esboçado um início para o tratamento mais concreto do tema.
O assunto, barreiras não-tarifárias, envolvia questão sob tratamento de outros grupos negociadores, como Facilitação do Comércio, TRIPS - Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights e TRIMS - Trade Related Investment Measures. Tanto os EUA quanto a CE adotaram posições ambíguas quanto as suas indústrias, mas, de modo geral, pareciam continuar com interesse na materia. A questão sobre o setor automotivo continuou pesando na negociação (ver postagem anterior).
Quanto aos Serviços as negociações ganharam ritmo ecelerado indicando algum avanço em relação ao resultado de Hong Kong. O assunto foi tratado nos seus aspectos técnicos, em função das modalidades de tipos de serviços, incluindo os ambientais, saneamento e abastecimento de água e o fornecimento de energia. (continua)