sexta-feira, agosto 25, 2006

O Brasil, a OMC e a Rodada de Doha - XX

Em agricultura, continuou intenso o ritmo de consultas, reuniões e apresentação de propostas e em NAMA continuaram os exercícios de simulações. O prazo de 30 de abril não fora cumprido. A prespectiva de fracasso da Rodada de Doha, já presente, representaria um sério revés para o sistema multilateral de comércio. Os EUA reconheciam a necessidade de melhorar as negociações em Agricultura , NAMA e Serviços. Aventaram, ainda, a possibilidade de concluir a Rodada até o final de 2006. A CE manifestou sua disposição em evitar o fracasso, mas reconhecia a dificuldade entre Agricultura e NAMA.
O G-20 reafirmou o seu compromisso com a Rodada, desde que compatível com o desenvolvimento, o seu objetivo principal. Insistia ser essencial a melhoria das propostas dos EUA e da CE para a negociações agrícolas.
As negociações sobre agricultura tornaram-se mais tensas. Os países membros podiam pertencer a mais de um grupo de países. Nesses grupos, podiam adotar posições mais ofensivas, o que provocava reações defensivas em países que participavam de um mesmo grupo, mas eram divergentes em relação ao outro grupo a que também pertencia o país de posição ofensiva. Desse ambiente tentaram tirar partido os EUA e a CE, de modo a fortalecerem suas posições, conflitantes entre sí.
Na questão NAMA as negociações não registravam nenhum avanço. Como agricultura não avançaria sem o avanço em NAMA, todo o processo negociador ficou bloqueado. Nos últimos de junho, início de julho, foram feitas as derradeiras tentativas de alcançar a convergência necessária para levar avante as duas questões chave de toda a Rodada de Doha.
Agricultura não se limita a produção e exportação. O apoio interno e os subsídios à exportação, embora tenham estado sempre na pauta das negociações, relacionam-se com outros temas em negociação. Adubos e defensivos agrícolas, com impacto direto nos custos de produção, não negociados diretamente em agricultura, eram temas específicos do grupo negociador sobre o meio ambiente. Produtos agrícolas, como o café, exportado pelos países produtores sem nenhum valor agregado, tornam-se itens relevantes na pauta de exportação de países desenvolvidos após o processamento industrial. Outros produtos, matérias primas de combustíveis líquidos renováveis, igualmente passaram a fazer parte de outros processos de negociação, envolvendo itens que, em princípio, nada teriam com agricultura, como foi o caso do biodiesel e das tarifas aduaneiras aplicadas a combustíveis.
Por outro lado, 75% do comércio mundial se concentra em bens manufaturados, tratores e colheitadeiras são bens manufaturados, como o são os teares para a produção de tecidos de algodão. Os primeiros são responsáveis por parte do efeito estufa, o segundo pelos índices de emprego e desemprego. Para os países desenvolvidos, com enormes interesses em jogo, qualquer argumento é um bom argumento. A OMC, por sua vez, não limita a participação informal das Organizações Não Governamentais, independente do enfoque estratégico que tenham.
No comércio mundial, no caso de máquinas e equipamentos, existem as empresas com filiais em diversos outros países, para produção ou revenda, já para tecidos e artigos de vestuário existem aquelas que operam em paises de menor desenvolvimento relativo, ou mesmo em transição, através de operações de "outsourcing", mas não fazem o mesmo nos países produtores de algodão, ou não o fazem em todos. Essas e outras situações semelhantes podem levar um país desenvolvido a ser simpático a determinadas demandas de um país ou grupo de países, o que amplia o leque de consultas e reuniões informais, elevando o nível de complexidade.
Como os EUA são grandes produtores de etanol, a partir do milho, pagam fortes subsídios ao milho e fazem o mesmo com o algodão. São norte-americanas as empresas responsáveis por parte das operações de produção de artigos de algodão, através do mecanismo de outsourcing, em países de menor desenvolvimento relativo. A CE não é produtora de algodão, mas diversos países de passado colonial o são, e nem sempre, ou quase nunca, esses países possuem indústrias têxteis.
São diversas as interligações entre agricultura e bens não-agrícolas. Na OMC, os países agrupam-se em função de caracteristicas comuns e/ou de interesses comuns e são esses grupamentos que, em grande medida, permitem o processo negociador. Nas negociações bilaterais os resultados de um determinado acordo podem ser prejudiciais a um conjunto de países, resultando no agravamento do clima de tensão normalmente encontrado nas relações comerciais internacionais, que envolvem muito mais do que agricultura e bens não-agrícolas. O mercado de serviços é o mais próximo desses dois.
A Rodada de Doha foi interrompida e é improvável que venha a ser retomada ainda este ano, mas os prejuízos ao comércio internacional, na medida em que se fizerem sentir, forçarão à sua retomada.
As próximas postagens tratarão desses três temas (Agricultura, NAMA e Serviços) separadamente.