segunda-feira, setembro 10, 2007

A Rodada de Doha - Em busca de acordos IV

Em 24 de julho de 2006 as negociações da Agenda de Doha para o Desenvolvimento foram suspensas. Os problemas responsáveis pelo impasse, como visto em postagens anteriores, foram a agricultura e o tema conexo, acesso aos mercados para produtos não agrícolas - conhecido como NAMA (abreviatura em inglês).
Em 12 de julho de 2006 foi distribuído o documento (JOB(06)/199/corr.1) "Projetos de Possíveis Modalidades para a Agricultura". No mês anterior, em 26 de junho, havia sido distribuído o documento (JOB(06)/200/Rev1) "Sobre as Modalidades para o NAMA". Ambos indicavam, de início, que não havia consenso entre os Membros negociadores.
Em 17 de julho p.p. os presidentes dos Grupos Negociadores dos dois comitês distribuíram os novos documentos sobre as modalidades para ambos os temas. O conteúdo daquele relativo a agricultura encontra-se na postagem de 25 de agosto. Já para o NAMA o problema é a fórmula a ser adotada para as reduções tarifárias.
O presidente do Grupo Negociador para o NAMA, ao justificar o projeto de modalidades apresentado no documento (do dia 17 de julho) observa que os Membros deverão modificar suas posições para que um acordo se torne possível. Isso porque as modalidades propostas não refletem plenamente os interesses de nenhum Membro, sendo necessário um ajustamento de posições.
O mandato de negociações recomenda especial atenção às necessidades dos países em desenvolvimento, razão para os coeficientes diferentes na fórmula apresentada para as reduções tarifárias e que é um dos objetivos da Rodada de Doha. Os países em desenvolvimento seriam contemplados com excessões e reduções menores em algumas linhas tarifárias, bem como seria solicitado contribuições diferenciadas das economias pequenas e vulneráveis (quase todas de países insulares), daqueles com baixo percentual de linhas tarifárias consolidadas (países de menor desenvolvimento relativo) e seriam considerados os efeitos das reduções de tarifas nos países objeto de tratamento especial e diferenciado.
Assim, e para tornar possível o acordo, solicita aos Membros que cada um contribua em função de sua capacidade de fazê-lo. Lembrou que nas negociações anteriores o fracasso resultou do fato de os Membros terem insistido nos seus próprios padrões para avaliar a reciprocidade, geralmente baseando-se nas correntes comerciais estimadas para suas própria exportações nos mercados que mais os interessa.
A reciprocidade é uma questão de difícil solução. Alguns argumentam que reduções nas tarifas consolidadas que não afetem as tarifas efetivamente aplicadas não tem valor algum, em choque com os exportadores que reclamam maior certeza e segurança de que não haverá incremento nas tarifas. Muitos países em desenvolvimento reduziram unilateralmente suas tarifas desde a Rodada Uruguai - normalmente isso foi feito para cumprir condições de adesão à OMC - aumentando assim a diferença entre as suas tarifas consolidas e aplicadas em relação aos desenvolvidos. O que leva alguns deles a conclusão que o atual processo de negociação somente pretende ampliar o acesso aos mercados dos países em desenvolvimento. O que torna as negociações mais difíceis porque a intenção declarada da Agenda de Doha para o Desenvolvimento é exatamente o oposto, ou seja, ampliar o acesso aos mercados dos países desenvolvidos.
O Paragrafo 24 da Declaração de Hong Kong - na Conferencia Ministerial de Hong Kong a suspensão da Rodada de Doha já era esperada - recomenda um maior nível de ambição, tanto na agricultura como em NAMA, o que pode ser entendido como um equilíbrio nas posições em todos os elementos em negociação. O problema é que do mesmo modo como não tem sido possível chegar a um acordo sobre como avaliar a reciprocidade, não tem sido possível encontrar um metodologia para medir esse equilíbrio. Pelo contrário, cada um pretendo por si mesmo avaliar o equilíbrio.
As negociações envolvem países com diferentes níveis de desenvolvimento, diferentes interesses comerciais e um variada gama de tarifas para produtos não agrícolas , o que torna difícil estabelecer regras gerais adequadas às circunstâncias de cada país. O tratamento especial e diferenciado acordado no Mandato de Doha objetiva abordar essa questão e contribuir para resolver o problema.
Se aplicadas as modalidades propostas no documento os países desenvolvidos terão tarifas consolidadas médias de 3% e picos tarifários inferiores a 10%. Os países em desenvolvimento terão uma média de 12% e alguns - aqueles tratados de modo diferenciado, teriam 15%.
As formulas que estão em discussão são: a mesma utilizada na Rodada Uruguai e uma outra conhecida como a "fórmula suíça", proposta pela primeira vez na Rodada de Tóquio nos tempos do antigo GATT e em discussão desde então.
Há uma certa unanimidade em adotar a formula suíça com coeficientes diferentes para os desenvolvidos e os em desenvolvimento, com propostas variando de 5 a 25 para os ditos coeficientes.
O que vem sendo discutido em Genebra é a fórmula e, se for adotada a formula suíça, os seus coeficientes e mais:
- qual o prazo para a implementação;
- os equivalentes ad valorem para os direito aduaneiros;
- a flexibilidade para os países em desenvolvimento e para os que já possuem poucas linhas tarifárias consolidadas;
- solução para os obstáculos não tarifários (excluídos os direitos aduaneiros);
- as preferências não recíprocas; e
- o tratamento para os produtos ambientais não agrícolas.
A partir do dia 21 deverá ser conhecido o resultado alcançado tanto em agricultura como em NAMA. Não cabe por enquanto qualquer prognóstico.

sexta-feira, setembro 07, 2007

A Rodada de Doha - Em busca de acordos III

Nesta última segunda feira, dia 03, iniciou-se mais um ciclo de negociações sobre a agricultura, desta feita, com duração prevista de 3 semanas.
Como visto na postagem de 25 de agosto p.p. o documento que determina as modalidades a serem tratadas tem o apoio doméstico (assistência interna) como seu primeiro item. O "post" do último dia 3 trata deste tema, mas as negociações tomaram o acesso aos mercados - redução dos direitos aduaneiros para produtos agrícolas, como tema para a tentativa em curso de levar a Rodada a bom termo.
O problema dos acesso aos mercados, ora em discussão, envolve as proteções não tarifárias, os níveis e as faixas tarifárias e a administração dos contingentes tarifários. O assunto que começou a ser discutido desde o dia 3, os direitos aduaneiros - uma das proteções não tarifárias, deverá consumir as três semanas. É um tema extremamente técnico com enormes reflexos políticos, principalmente para os países parte da UE.
Requer, em primeiro lugar, determinar o modo, a fórmula e o método que torne possível estabelecer o equivalente ad valorem para os direitos aduaneiros. O documento que orienta as negociações, distribuído em 17 de julho, indica alguma convergência para o mecanismo de redução, mas não para o ad valorem equivalente. Seriam 4 faixas (ou bandas) dentro dos limites de tarifas até e inclusive 20%, entre 21 e 50%, de 51 a 75% e acima de 75%. Isso para os desenvolvidos. Para os países em desenvolvimento seriam 30, 80, 130 e acima de 130%.
Para os desenvolvidos os percentuais de redução em cada faixa estão sendo discutidos e aos países em desenvolvimento caberia uma redução de 2/3 do que for estabelecido. Na média, admite-se uma redução entre 36 e 40%.
Mas o problema não é apenas uma questão de percentuais de redução. Existem os produtos sensíveis e os contingentes tarifários. É necessário determinar a quantidade - o número de produtos - que os países poderão classificar como "sensíveis" e qual o carater sensível do produto assim classificado. Como o objetivo do processo de reforma do comércio agrícola é amplia-lo, o acesso aos mercados envolve os contingentes tarifários e, tendo como centro os direitos aduaneiros, se cabe amplia-los ou reduzi-los. Deve ser levado em conta o conceito de nação mais favorecida, tão caro à OMC, e o que vem dando muito trabalho, o tratamento especial e diferenciado aos países em desenvolvimento. Existe concordância quanto aos países de menor desenvolvimento relativo, mas muitos países em desenvolvimento são mais ricos que alguns desenvolvidos e outros possuem os melhores índices de produtividade agropecuária.
No computo geral, as duas posições marcantes - e conflitantes, são dos EUA e UE. Quando foram negociadas as quatro faixas para determinação dos cortes os EUA posicionou-se em 85% e a UE em 60% para a mais elevada. A partir daí haveria (ou deveria haver) uma diminuição mais ou menos proporcional para as outras faixas. O problema afeta os países em desenvolvimento exportadores de agropecuários em função das oportunidades que serão criadas, ou não, no acesso aos mercados para os produtos não agrícolas e na solução para os produtos sensíveis. A maior parte dos desenvolvidos tem menos de 10% das suas tarifas na banda superior. Determinar o percentual a partir do qual será a faixa superior é a primeira parte da questão.
Para os produtos sensíveis o ponto em discussão não é apenas a ampliação/redução dos contingentes tarifários, mas também as tarifas iniciais, os preços internos e a elasticidade da oferta e da demanda, diferentes em condições diferentes. Qual é e qual poderá ser o percentual de importação é fundamental para a solução.
Para os países em desenvolvimento importam ainda os picos tarifários e a progressividade tarifária que afeta diretamente o quantum de valor incorporado ao produto agrícola, que a partir de determinados níveis pode deixar de ser assim considerado, tornando-se produto não agrícola.
As reuniões vem se desenrolando entre pequenos grupos de países que somente ao final destas três semanas deverão formalizar suas posições. É o tempo para que se consiga um acordo, não para toda a questão, mas para negociar os demais itens. É isso o que indica a alteração na ordem das modalidades.



segunda-feira, setembro 03, 2007

A Rodada de Doha - Em busca de acordos II

Cabe, para uma analise dos documentos sobre as modalidades propostas, conhecer a Declaração Ministerial de Hong Kong, última decisão formal nas negociações sobre agricultura e o NAMA, como é conhecido (por sua sigla em inglês) o tema "acesso aos mercados para produtos não agrícolas.
Ao iniciar-se a Conferência Ministerial - órgão maior da OMC, que fez a declaração, a avaliação do andamento das negociações indicavam estarem as mesmas em um estágio que revelava enormes dificuldades para a elaboração de documentos sobre as modalidades a serem negociadas para um futuro acordo sobre a agricultura e o NAMA.
A Declaração Ministerial de Hong Kong trata a questão nos seus 23 primeiros Parágrafos e no 24 recomenda aos negociadores um elevado nível de ambição no trato de ambos os temas. No 10, para agricultura e no 23 para o NAMA reconhece faltar muito para estabelecer as modalidades e dar continuidade as negociações. Os Parágrafos 11 e 12 tratam do algodão, que em 19 de Novembro de 2004 foi separado da agricultura com a criação de um sub-Cometê específico.
No caso da agricultura o problema mais sério, e de cuja solução depende o andamento do processo negociador, refere-se aos níveis a serem permitidos para a assistência interna, ou apoio doméstico. O Acordo sobre a Agricultura, em vigor desde 1 de Janeiro de 1995, estabeleceu o MGA total - que é a soma do total dos valores que um governo transfere para seus agricultores por produto. A questão é como reduzir esse montante.
O Paragrafo 5 da Declaração determinou que essas reduções seriam feitas em 3 bandas (faixas) distintas. A superior, para os Membros com o nível mais elevado de apoio; o intermediário, para aqueles com os segundo e terceiro níveis de apoio e na banda inferior, os demais Membros, incluídos os países em desenvolvimento.
No documento apresentado em Julho último a UE esta colocada na banda superior e os EUA e Japão na banda intermediaria. O compromisso de redução a ser aceito pela UE é de uma redução de 70 a 80%, em um patamar mínimo de US$60 bilhões. Para os EUA e Japão o patamar vai de US$10 a US$60 bilhões e a redução seria de 53 a 75%. A banda inferior teria um patamar de US$10 bilhões e reduções de 70 a 80%.
O Acordo sobre a Agricultura estabelece também o "de minimis", ou seja o valor máximo que um país pode conceder em assistência a seus agricultores sem necessidade de qualquer notificação. Pelo Acordo, o "de minimis" para os Membros desenvolvidos é de 5% e 10% para os em desenvolvimento. Reduzir o "de minimis" é outra problema. O que esta em discussão é uma redução entre 50 e 80%, sendo que aos países em desenvolvimento que tenham MGA seria aplicado um percentual inferior a dois terços do que for aceito pelos desenvolvidos.
A dificuldade para chegar a um "de minimis" aceitável não é menor do que as reduções nas bandas do MGS total. Envolve, além dos valores pagos diretamente aos agricultores - que é entendido como o apoio doméstico, os subsídios à exportação. Essa questão vem sendo regulada pelo uso de três "compartimentos" onde são classificadas as medidas relativas ao comércio.
Uma medida para estimular o comércio pode distorcer ou não o comércio. Distorcer o comércio é o mesmo que prejudicar outros países no concorrido mercado de exportação. As que não distorcem, ou distorcem muito pouco, são classificadas no compartimento verde, as que distorcem e são proibidas, no amarelo e as que se destinam a reduzir a produção - independente se distorcem ou não, são incluídas no azul, desde que respeitadas certas condições. Mas o azul é mais complicado que os outros dois.
É possível que um país queira reduzir a produção por muitos motivos, entre os quais pode ser para forçar um aumento dos preços. Mas pode ser também para atender a políticas de preservação do meio ambiente. O meio ambiente é incluído nas preocupações não comerciais, que incluem, entre muitas outras razões, a segurança alimentar. Para os países que são importadores líquidos de alimentos, a segurança alimentar é a garantia da disponibilidade do produto no mercado internacional a um preço adequado e estável. Para muitos países exportadores de produtos agrícolas, medidas de preservação do meio ambiente é a garantia da sustentabilidade da produção que assegure a sua própria segurança alimentar - a garantia de alimentar suas populações urbanas a preços baixos.
O espírito da Rodada de Doha incorpora o princípio do "single undertaking", o que significa que ou todos concordam ou não há acordo. O Japão, que divide com os EUA a banda intermediária para os compromissos de redução no apoio doméstico, é, entre os desenvolvidos, o maior importador liquido de alimentos e o mais preocupado com a segurança alimentar. Divide com a Suíça, igualmente importador líquido de alimentos, preocupações não comerciais relativas ao meio ambiente, assunto sobre o qual a Declaração dedica os Parágrafos 30 a 32, sendo que o 31 recomenda especial observância aos acordos multilaterais sobre o meio ambiente. No entanto, muitos países em desenvolvimento não são favoráveis a medidas sobre o meio ambiente que possam prejudicar sua produção agrícola e suas políticas de desenvolvimento. O que encontra forte oposição da UE, que encontra apoio no Japão, Suíça e muitos países em desenvolvimento, principalmente os países insulares de pequena economia, todos com preocupações não comerciais que envolvem, para muitos, as multifuncionalidades da agricultura e outros - os insulares, suas receitas com o turismo, principal fonte de recursos externos.
As negociações retomadas a partir da distribuição dos documentos, necessariamente terão que determinar como serão tratados os três compartimentos, quais serão os patamares e os percentuais e como lidar, no compartimento amarelo, com os subsídios à exportação. Sem isso não será possível resolver o problema do apoio doméstico e dar continuidade ao processo de reforma do comércio agrícola mundial.